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  • Foto do escritorProjeto Farmácia Viva

Entrevista com a Dra. Professora Janaína Fernandes

Entrevistada pelas alunas Izabelle Oyamada Denise Rodrigues e Viviam Matielli

Entrevistador: Qual é a sua formação? Janaína: "Janaína Fernandes, professora de genética molecular para os cursos de Biofísica e Nanotecnologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro – Campus Caxias" Entrevistador: Qual é o objetivo da sua linha de pesquisa? Janaína: "A minha linha de pesquisa é atividade antitumoral de plantas da Amazônia. O nosso trabalho é basicamente utilizar extrato de plantas da Amazônia, principalmente do Pará, pois uma temos colaboração com a Universidade Federal do Pará e o centro de extração de princípios ativos. Eles fazem essa extração e mandam o material para nós, que então testamos em três tipos de tumores começando pelo câncer de pulmão, que é um dos cânceres mais comuns, a leucemia mielóide crônica e o tumor do sistema nervoso central que é o glioblastoma. Nós avaliamos esses extratos, realizamos uma varredura inicial para saber quais extratos tem atividade e uma vez que encontramos essa fração que tem atividade, nós aprofundamos o estudo nas vias que são ativadas por esses extratos para induzir morte de tumor." Entrevistador: Como você chegou nas plantas medicinais? Janaína: "Eu já trabalho com plantas a algum tempo, eu fiz meu mestrado em biotecnologia vegetal e trabalhava com bioenergética de fotossíntese, também trabalhei no Museu Nacional com taxonomia de plantas de restinga, então eu já trabalho a um tempo razoável com botânica. Quando eu terminei o mestrado comecei a me interessar pelas plantas medicinais, então eu entrei no doutorado trabalhando com atividade antitumoral de uma substância isolada de uma planta medicinal." Entrevistador: Antes de entrar nessa área você já possuía um conhecimento tradicional sobre plantas? Janaína: "Sim, devido a minha mãe e avó indicando chás como o chá de casca de cebola com alho e limão para a gripe, chá de boldo para desconforto estomacal, chá de camomila para acalmar." Entrevistador: Com base na palestra que você deu sobre sua pesquisa, por que há preferência em espécies vegetais brasileiras? Janaína: “Esse interesse não tem relação regional, não é só porque é daqui. O Brasil tem uma grande diversidade de plantas medicinais, então há um número maior de plantas para serem exploradas e também há muitas plantas aqui que nunca foram estudadas, que é um critério para eu começar a estudar qualquer espécie vegetal, não ter nada na literatura sobre as atividades, ou pelo menos não as atividades antitumorais, tem que ser inédita. Como há muita coisa inédita, que não foi estudada aqui, não falta material. Nesse ramo de estudo a questão regional é importante para ter o acesso, mas também porque plantas medicinais tem importância regional, a planta é utilizada naquela região, não é de nosso interesse estudar a fundo um estudo sobre uma planta medicinal da Índia se a planta só existe lá.” Entrevistador: As amostras que você utiliza provêm especialmente da Mata Atlântica e da Floresta Amazônica. Com o aumento do desmatamento nos últimos anos, como isso pode afetar a sua pesquisa em termos de potenciais vegetais medicinais? Janaína: “Com certeza, eu trabalho diretamente com as plantas do Pará e plantas da região amazônica onde está tendo um aumento na devastação muito grande e não são apenas as espécies vegetais de grande porte, mas plantas menores que vão desaparecer e não vamos ficar sabendo. É muito grave, estamos perdendo não apenas em números de espécie, mas uma coleção de espécies. A planta não está sozinha, quando ela deixa de existir espécies associadas a ela como fungos e líquens também desaparecem. Quando você perde uma espécie, nunca é apenas uma espécie que está sendo perdida.” Entrevistador: O conhecimento etnobotânico contribui para sua pesquisa? Você acha que é algo que precisa ser mais aproveitado? Janaína: “Qualquer conhecimento prévio sempre influencia, incluindo o conhecimento etnobotânico, mas eu não uso isso para selecionar.” Entrevistador: Você acha que em um futuro próximo, a ideia da medicina alternativa será apreciada e utilizada por muitas pessoas? Janaína: “Isso é muito difícil de prever, no passado havia uma grande dificuldade de acesso a uma droga no Brasil, além de ser diferente das atuais e não eram tão numerosas como hoje em dia, então havia um uso muito intenso de plantas medicinais. Nos anos 40 ou 50, quando queria se tratar uma doença utilizavam-se diversos chás ou benzedeiras, tudo era a medicina alternativa, pois na verdade era a única alternativa que tinha. Com o avanço da medicina e o barateamento do custo da produção dos medicamentos, começou então a se lidar com os remédios alopáticos. Está muito relacionado ao acesso das pessoas aos medicamentos, quando todos tem acesso a medicamentos principais como anti-hipertensivos, hipoglicemiante, devido ao barateamento do custo desses remédios hoje em dia as pessoas não vão usar chá para tratar esse tipo de doenças epidêmicas, mas para coisas mais simples é possível que elas continuem usando esses chás. É algo muito difícil de prever, por exemplo, ainda se usa muito castanha da Índia para problemas de circulação, usa-se o princípio ativo da planta em cápsulas, ou seja, é uma droga vegetal ali. Eu acho que temos que realizar mais estudos sobre as plantas medicinais que a gente conhece.” Entrevistador: A política brasileira atrasa ou impede o desenvolvimento de pesquisas nessa área, em termos de legislação? Janaína: “Eu acho que não, até porque mais ou menos 60% das drogas hoje em uso clínico são derivadas de produtos naturais, é uma proporção muito grande, não acredito que isso tenha nenhuma relação. Acho que relação realmente está na eficiência e disponibilidade do que a indústria tem para oferecer versus todo o resto que ela não conseguiu oferecer ainda, então se tem algo que você tem fácil acesso você vai preferir isso, as pessoas não irão procurar uma planta que tenho o composto que serve para aquilo ao invés de comprar um remédio barato na farmácia. Apesar de que tem muita gente que tem o hábito de usar planta medicinal, principalmente os mais velhos, e não larga apenas quando o médico diz que é necessário usar os medicamentos e às vezes utilizam as plantas junto com o medicamento, a minha tia é assim. A questão é as pessoas suprirem suas necessidades, se essas necessidades estão sendo supridas pela indústria farmacêutica naquele ponto, as pessoas vão usar os medicamentos.” Entrevistador: Em 2003 saiu uma matéria sobre uma patente de um ácido contra células tumorais depositada por você. Esse estudo ainda continua? Os resultados tem sido esperançosos? Janaína: “Aquilo foi algo muito bacana, eu mesmo escrevi as patentes, a brasileira e o depósito da patente internacional, mas nós temos uma legislação de patentes que não é das melhores, que precisa melhorar muito. Nós no Brasil, por exemplo, não podemos patentear substâncias naturais isoladas em plantas e etc., o que em outros países é permitido e também existem outros pontos da legislação que não vamos discutir aqui. O ácido pomólico tem uma atividade muito grande contra todos os tumores que eu tratei, principalmente glioblastoma que é um tumor extremamente agressivo com uma sobrevida de no máximo 12 meses, é um tumor muito potente. O grande problema do ácido pomólico é que a rota de síntese dele ainda não foi descoberta, essa substância é isolada de várias plantas, inclusive plantinhas de jardim, e nós estudamos o ácido pomólico extraído do Chrysobalanus icaco, o abajeru. Essa planta tem uma grande quantidade dessa substância, quando falamos de grande quantidade nos referimos a 200 mg por quilo de planta seca, e se pararmos para pensar que existem comprimidos com 500 mg de um determinado princípio ativo , existe mais da substância em um comprimido do que existe ácido pomólico em 1 Kg de planta seca. Então não basta que você patenteie você precisa que aquilo seja economicamente viável, que você possa produzir em quantidade suficiente para você inclusive começar a testar clinicamente. Na literatura você vai encontrar vários estudos com ácido pomólico, todos a partir de extrato de plantas, pois ninguém consegue sintetizá-lo. Tem um artigo de 2015 em que o autor conseguiu gerar uma síntese parcial, mas ele usa como base uma substância que também é fruto de extração de planta. O problema do pomólico é que, apesar de ele ser muito potente e seria uma alternativa fantástica, não conseguimos sintetizá-lo e não seria economicamente viável, pois como ele vem de uma árvore seria necessário plantar quilômetros e quilômetros de árvores para extrair quase nada. Isso afetaria bastante no valor do medicamento, é impraticável. Então até que se conclua uma rota sintética para o ácido pomólico, para baratear e viabilizar a comercialização e até para teste clínico, pois esses testes necessitam de uma quantidade grande, então nem há testes clínicos para o ácido pomólico, na literatura você só vai encontrar teste in vitro que são realizados após a extração. Até que se descubra como sintetizar o ácido pomólico, não é possível utilizá-lo.”


Foto de um fruto de Abajeru, uma planta da qual a professora Janaína estudou sobre.

Fonte: Wikipedia

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